» 1974 



Enquanto a gravação de Quadrophenia era finalizada no Ramport, o projeto de um filme baseado em Tommy, que circulava desde 1969 quando Kit Lambert escreveu sua versão do roteiro, começou a tomar forma quando Robert Stigwood, produtor do filme Jesus Christ Superstar, negociou um contrato entre o Who e a Columbia Pictures. Com a ausência de Lambert, Stigwood (que ajudara a banda em 1966 durante a disputa legal com Shel Talmy, permitindo que lançassem suas gravações pelo selo Reaction) providenciou a liderança e o apoio financeiro necessário para atrair personalidades como Jack Nicholson, Tina Turner e Ann-Margret, além do diretor Ken Russel, com quem Pete sempre quis trabalhar e o único a quem ele pretendia confiar a transposição de sua obra prima para as telas. O ponto de acordo entre os dois foi o de se utilizar apenas músicas para contar a história, sem diálogos. Roger Daltrey retomaria o papel que lhe transformou em um dos maiores intérpretes do rock, desta vez frente às câmeras de cinema.

Apesar do entusiasmo inicial de Townshend, que assumiu o cargo de diretor musical, a graça de trabalhar na trilha-sonora logo se dissipou enquanto suas responsabilidades aumentavam e a tarefa se tornava a cada dia mais complicada. Pete gastou seis semanas ininterruptas em seu estúdio caseiro, compondo quatro novas músicas especialmente para o filme, gravando todos os sintetizadores e refazendo os arranjos do material original. Com tudo preparado, ele passou os meses de abril e maio no Ramport regravando o álbum com um superelenco de músicos, além de produzir o coral de vozes de fundo que compensaria a falta de talento musical de alguns dos experimentados atores envolvidos no projeto. Assim como aconteceu com os vocais, o uso de outros músicos na gravação dos instrumentos nasceu da necessidade; com a ausência de Keith Moon (supostamente doente), Pete aproveitou a oportunidade para recrutar uma gama de talentos que se encaixasse melhor em cada canção individual, como Kenney Jones e Mick Ralphs (bateria), Ron Wood e Eric Clapton (guitarra) e Chris Staiton e Nick Hopkins (piano / teclados).

A gravação da trilha-sonora de Tommy terminou antes do início das filmagens, o que significava que se qualquer mudança fosse realizada no roteiro original durante a produção da película a trilha também teria que ser ajustada. Considerando que o filme foi projetado para ser finalizado em 12 semanas a um custo de 1 milhão de libras e acabou levando 22 semanas e 2 milhões, não é dificil de se imaginar o pesadelo pelo qual Townshend passou. Às raias de sofrer um colapso nervoso como o acontecido em 1971 durante a gravação de Who's Next, ele passou a beber cada vez mais, dando início a uma dependência alcoólica que lhe acompanharia por pelo menos mais oito anos.

Mas os problemas não terminavam por aí: sem os dividendos de seus direitos autorais nos Estados Unidos, e com o lucro dos discos do Who temporariamente congelado devido ao processo contra seus ex-empresários Kit Lambert e Chris Stamp, a única fonte de renda para Pete e seus colegas seriam os shows ao vivo. A banda voltou aos palcos em maio no evento "Summer of '74", organizado por eles e por seu novo empresário Bill Curbishley no estádio do Charlton F.C. em Londres. Ken Russel planejou filmar o concerto para utilização no final de Tommy, o que não acabou acontecendo; eventualmente uma equipe da BBC acabou capturando a apresentação, exibida na TV em outubro. Ainda em junho, uma série de quatro shows no Madison Square Garden em Nova York teve todos os ingressos esgotados após um único anúncio de 60 segundos numa rádio local. A frustração com as apresentações, consideradas fracas pela banda e pelos críticos, foi resumida na noite final por Townshend, que destruiu três guitarras, deixando ainda que Keith acabasse com sua quarta e última Gibson Les Paul reserva.

De volta pra casa, enquanto Townshend e Daltrey continuavam ocupados com a versão cinematográfica de Tommy e Keith Moon se entregava aos prazeres de uma vida regada a sexo e drogas em sua casa de praia em Malibu, Califórnia, John Entwistle aproveitou mais uma pausa na carreira do Who para analisar os arquivos da banda e compilar sobras de estúdio para a produção de uma coletânea. Odds & Sods, lançado em setembro, apresentou ao público o trabalho que havia sido considerado de segunda mão pela banda nos últimos dez anos, revelando o nível de qualidade esperado por eles, que podiam se dar ao luxo de arquivar músicas de tão boa qualidade. Ainda sobrou tempo para que John finalizasse seu quarto álbum, Mad Dog, e organizasse uma mini-turnê solo no final do ano pelo Reino Unido e EUA que lhe deixaria 30,000 libras mais pobre. Em novembro, com Tommy em pós-produção, Roger deu início às gravações de seu segundo álbum, Ride A Rock Horse, enquanto Keith também produzia sua própria estréia solo - Two Sides of The Moon - que com seus aproximadamente 60 músicos convidados e inúmeras horas de estúdio gastas em bebedeiras acabaria custando à MCA Records mais de 200,000 dólares. Pete não ficaria pra trás: em abril ele havia apresentado seu primeiro concerto solo no Roundhouse em Londres, misturando versões ao violão de suas próprias canções no Who com covers de outros artistas.

Toda essa atividade individual deu origem a especulações de que a carreira do Who poderia estar chegando ao fim, fazendo com que Pete divulgasse um comunicado à imprensa em novembro negando os rumores. Em particular, no entanto, o trabalho pesado no filme Tommy, o dilema de voltar a se apresentar ao vivo com a banda e problemas no casamento o levaram a se afundar em um espiral de bebidas e depressão, fazendo-o questionar seriamente seu compromisso com o grupo. O ano seguinte seria decisivo.



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Ilustrações por Marco Antônio Monteiro | Textos por Vinícius Mattoso | © Todos os direitos reservados
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