» 1975 



O começo do ano marcou uma intensa atividade solo dos integrantes do Who. Keith Moon era sabatinado pela imprensa a respeito das gravações de seu primeiro trabalho solo, Two Sides of The Moon que, lançado em março, provou-se um fiasco de crítica e vendas. Imprevisível como sempre, o baterista deixara seu instrumento e seu humor espontâneo de lado (indiscutivelmente suas características mais marcantes), decidindo cantar desafinadamente os sucessos pop que mais lhe agradavam. John Entwistle dava os retoques finais na produção de Mad Dog, seu quarto álbum-solo, e ansioso por voltar a tocar ao vivo, embarcou com sua banda Ox em uma turnê de 18 datas pelos Estados Unidos, que no final das contas lhe rendeu um prejuízo de 70,000 dólares. Roger Daltrey, enquanto isso, gravava seu segundo álbum-solo, Ride a Rock Horse e dava prosseguimento à parceria iniciada com o cineasta Ken Russel no ano anterior, participando agora de seu novo filme Lisztomania.

A versão cinematográfica de Tommy chegou aos cinemas em março. Omitindo muitos dos aspectos originais da obra, a visão carnavalesca de Ken Russell para a ópera-rock, apesar de desagradar uma parcela expressiva de fãs do Who, foi um tremendo sucesso com o público em geral, elevando o status do protagonista Roger Daltrey a astro das adolescentes. Perseguido por fãs histéricas aonde quer que fosse, Daltrey encontrou um novo nicho onde se ocupar durante os cada vez mais frequentes intervalos de sua banda, passando a se dedicar agora à carreira de ator. A trilha-sonora do filme foi lançada na mesma época, e o trabalho exaustivo e frustrante que coube a Pete Townshend neste quesito provou-se parcialmente recompensador ao render ao guitarrista uma indicação ao Oscar de melhor trilha-sonora adaptada.

No mês seguinte a banda voltou ao estúdio, inicialmente sem Daltrey, ainda ocupado com as filmagens de Lisztomania. Ansiosos por mostrar que sua carreira prosseguia apesar dos boatos de separação do ano anterior, os músicos deram início aos ensaios para a gravação de seu primeiro álbum inédito em praticamente dois anos. O empreendimento veio a calhar: de acordo com Entwistle, Moon passara tanto tempo longe da bateria que se esquecera de como tocar! Nessas reuniões iniciais também foram discutidas alternativas para contornar o bloqueio criativo enfrentado então por Townshend, considerando-se inclusive a idéia, mais tarde abandonada, da gravação de um álbum apenas de covers. Desencantado com seu papel no The Who e, porque não dizer, no cenário do rock em geral, o guitarrista despejou todas as suas frustrações em uma entrevista com Roy Carr, do semanário musical NME. As críticas de Townshend à indústria do rock, aos fãs, a seus contemporâneos e a seus colegas de banda acabaram por afluir diretamente em suas novas composições que, apesar de fugirem do aspecto conceitual dos últimos trabalhos do Who, seguiram todas uma temática de desilusão e desapontamento, permeadas por momentos de humor negro, pessimismo e depressão.

Pouco depois da publicação da entrevista, a banda começou a trabalhar a valer nas gravações. Buscando uma sonoridade mais básica, o Who abandonou sintetizadores e efeitos sonoros e deixou de lado seu estúdio Ramport, trabalhando no Shepperton Sound Stage com apoio do estúdio móvel de Ronnie Lane. Apesar de pessoalmente ofendido com as declarações de Townshend, Daltrey procurou canalizar toda sua raiva nas gravações, o que em sua opinião, ao se juntar ao "cinismo" visto por ele nas novas composições, teria contribuído para a qualidade final do álbum. Com os instrumentais prontos, as gravações dos vocais continuaram durante maio, com a pós-produção e mixagem sendo realizadas entre junho e agosto. Lançado em outubro, The Who by Numbers foi bem recebido pelos fãs e pela crítica, alcançando a sétima colocação entre os mais vendidos no Reino Unido e emplacando um inesperado hit single com "Squeeze Box", um oásis de humor de duplo sentido em meio às canções introspectivas do álbum.

Daltrey, nesse meio tempo, ainda ultrajado pela entrevista de Townshend, procurou a NME para rebater os comentários do colega de banda. O desentendimento foi amplamente explorado pela imprensa, voltando a dar força aos rumores de que o Who estaria próximo do fim. Townshend, enquanto isso, mandou uma carta para o vocalista ensaiando uma trégua e um pedido de reconciliação, antes de partir com sua família para um retiro espiritual na Carolina do Sul, local onde seu guru Meher Baba havia morado durante os anos 50. Com as baterias recarregadas e um pouco aliviado de seu "fardo", ele voltou à Inglaterra um mês depois para novos ensaios com a banda, desta vez para uma turnê em larga escala pelos Estados Unidos e Europa. Reunido a Entwistle e Moon (estando Daltrey mais uma vez ocupado, agora com a divulgação de Ride a Rock Horse), eles viram-se tocando melhor e com mais disposição do que em muitos anos. Foi neste estado de espírito que o Who embarcou em outubro para a perna européia da turnê.

A imprensa especializada (e, obviamente, a platéia) notou a energia renovada, e este período entrou para a história do Who como uma de suas melhores fases ao vivo. É dessa época também o estabelecimento de um setlist sem grandes surpresas, focado nos maiores sucessos do grupo, com seleções do álbum Tommy (que retornou aos shows devido ao sucesso do filme) e uma ou outra canção recente (neste caso, apenas duas de The Who by Numbers permaneceram no set). A turnê seguiu para os Estados Unidos, onde os 20 shows renderam em torno de 3 milhões de dólares e marcaram a estréia do célebre espetáculo de lasers da banda — que, apesar de clichê na música atual, representou uma grande novidade no mundo dos espetáculos de então, com temores inclusive de que eles poderiam causar problemas de saúde, o que levou à sua proibição em algumas das cidades por onde o Who passou.

Depois de um ano de desentendimentos e brigas que, apesar de internas, foram escancaradas ao público, o Who encerrou 1975 em alta. Os três meses que passaram na estrada serviram para relembrar a todos o porquê daquela ser considerada uma das maiores bandas de rock and roll de todos os tempos, com um rejuvenescido Townshend energizando ainda mais um já vigoroso Who, que fechou a turnê com três apresentações seguidas no Hammersmith Odeon, em Londres. A demanda por ingressos foi tão alta que as vendas foram feitas por sorteio, e os sortudos vencedores foram recebidos com brindes na entrada, Keith Moon descendo de uma corda até o palco e o impressionante show de luzes. Tudo isso no entanto não passou de uma mera distração ante à apresentação de uma banda em plena forma que presenciaram em seguida. O Who retornara aos trilhos.



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Ilustrações por Marco Antônio Monteiro | Textos por Vinícius Mattoso | © Todos os direitos reservados
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