» 1969 



1969 começa a todo o vapor com o trabalho ininterrupto na gravação de Tommy. O grupo passava tanto tempo no estúdio que John Entwistle começou a ter medo de "sofrer uma lavagem cerebral por culpa daquelas músicas", como disse o próprio. Apesar de tudo a engrenagem estava funcionando, e em ritmo industrial as músicas para o álbum duplo iam sendo finalizadas. Já em março o primeiro compacto de Tommy é lançado, "Pinball Wizard". A inclusão da temática dos jogos eletrônicos na saga do garoto Tommy - uma mudança chave no enredo - se deu nos últimos momentos; Townshend, ansioso por uma crítica favorável e decidido a agradar o amigo Nic Cohn, crítico do periódico musical Melody Maker e fanático por pinball, encaixou referências ao jogo no álbum e compôs "Pinball Wizard" especificamente com segundas intenções em mente. "Vai ser uma obra-prima", foi a resposta imediata de Cohn.

Os primeiros a ouvir o resultado completo são os repórteres convidados para uma sessão especial no Ronnie Scott's Jazz
Club em Londres, no dia 1 de maio. Já no dia seguinte Roger, John, Keith, Bobby Pridden, John "Wiggy" Wolff e os roadies Tony Haslam e John "Bumper" East seguem para Nova York para iniciarem os preparativos da turnê. Pete só chega um dia antes do primeiro show, no Grande Ballroom em Detroit. Após cinco apresentações a banda retorna ao Fillmore East em Greenwich Village, Nova York. A última vez que tocaram ali foi sob as ameças de tumulto após o assassinato de Martin Luther King; desta vez, o prédio vizinho ao Fillmore pega fogo, e quando um policial à paisana sobe ao palco para dar o alerta, recebe de volta um chute no saco desferido por Townshend, que o expulsa de lá. O segundo show é cancelado e o The Who passa a noite no apartamento de Bill Graham, enquanto a polícia procura por eles no hotel.

No dia 17, Pete e Roger se entregam às autoridades no Nono Distrito Policial de Nova York. Eles são soltos sob fiança, e voltam ao Fillmore para mais quatro apresentações. Enquanto isso as primeiras cópias de Tommy começam a aparecer nas prateleiras das lojas norte-americanas. Apesar de celebrado pelos críticos, a princípio as vendas são decepcionantes. No dia 23 a Track Records lança o álbum na Grã-Bretanha. Esculhambado por alguns críticos, que o taxam de "doentio" e "pretensioso", ele é bem recebido pela maioria, sendo eleito o "LP Pop do Mês" pela Melody Maker. Com essa aclamação geral a ópera-rock ganha vida nova nos palcos. O fato foi descoberto pela banda quando começaram a ensaiar as músicas para os shows; o produtor Kit Lambert, que passou meses tentando capturar a banda em seu melhor no estúdio, ficou furioso ao perceber que ao vivo o resultado foi infinitamente mais bem sucedido. Os concertos do Who, antes disso já impressionantes, transformam-se em um evento legendário com o advento do novo trabalho.

A turnê continua durante junho, e no dia 9 Pete Townshend e Kit Lambert se reúnem com os executivos do Universal Studios, que fazem uma oferta de 2 milhões de dólares pelo roteiro de Tommy. Lambert, um cineasta que nunca deixara de lado a paixão pela profissão, vê ali a oportunidade de consagrar de vez sua carreira.

O álbum enquanto isso continua subindo nas paradas de sucesso e os shows da banda, cada vez mais disputados, passam a ser realizados duas vezes por noite. No dia 20, Pete e Roger comparecem ao tribunal em Nova York para a definição do caso de agressão contra o policial no Fillmore. Roger é liberado e Pete, acusado de agressão em terceiro grau, é multado em 75 dólares. O caso é encerrado, mas isso não significou o fim de suas preocupações: uma semana depois ele é retido no apartamento do agenciador de turnês Frank Barsalona, que tenta de qualquer maneira o convencer a voltar aos Estados Unidos em agosto para um único show. Exausto com a recente turnê e os problemas com a lei, Pete acaba cedendo à pressão, e o acordo para a aparição do The Who no Festival de Woodstock é firmado. A banda volta pra casa no dia seguinte, 27 de junho.

Depois de um breve descanso a rotina de shows é retomada pelo Reino Unido, e no dia 2 de agosto eles estão de volta aos Estados Unidos. Após um show de aquecimento realizado no dia 12 no Tanglewood Music Shed em Massachusetts, no dia 16 o grupo segue para Woodstock, Nova York, para o maior festival de música então realizado, a Feira de Artes e Música de Woodstock. Mas ao desembarcar no local o grupo é informado de que o evento mudara de localidade, um começo não muito promissor para quem já não estava muito empolgado em estar ali. Em carros alugados, a banda segue para Bethel, a quarenta milhas de distância. Faltando uma milha, e presos no enorme congestionamento, eles são forçados a abandonar os carros e seguir a pé para o local do show, numa estrada de terra nesta altura transformada em lama. Agora que já estavam de bastante mau humor, Pete, John, Roger e Keith ficam sabendo que, com as cercas derrubadas e o público entrando de graça, os organizadores do festival não teriam dinheiro para pagá-los. A banda não quer nem saber, e presos ali, são obrigados a aguardar quatorze horas até que o cachê prometido fosse acertado. Enquanto espera, o grupo acaba sendo dopado com o LSD que contaminara "misteriosamente" toda e qualquer substância líquida do festival, do café aos cubos de gelo. Pete, que havia rejeitado as drogas psicodélicas ao se tornar discípulo de Meher Baba, ficou furioso ao ser drogado contra sua vontade. Finalmente um gerente de banco aparece com o dinheiro, e a banda sobe ao palco às quatro da manhã.

Pete imediatamente dá vazão à sua fúria, chutando um cameraman da equipe que estava registrando o concerto para o documentário Woodstock. Acontece que o cameraman era o próprio diretor do tal documentário, Michael Wadleigh - embora Pete não soubesse - e depois de atingido, Wadleigh acaba caindo no poço na frente do palco. Um bom começo de show, diriam os fãs mais radicais. A apresentação do Who é capturada pelas câmeras restantes - capturadas isto é, exceto por um único momento: depois de "Pinball Wizard" o líder ativista Abbie Hoffman sobe ao palco, toma o microfone de Pete e começa um discurso sobre a falta de senso do festival "...enquanto John Sinclair apodrece na prisão pela posse de um único baseado!" Um sentimento apropriado, mas Abbie escolheu mal a hora e o lugar para defendê-los; segurando sua guitarra como uma lança, Pete golpeia o ativista direto na nuca, que com o impacto cai do palco. Enquanto afina sua guitarra, Townshend decide deixar uma coisa bem clara (se é que todos já não haviam percebido): "O próximo desgraçado que subir neste palco vai ser morto, porra! Podem rir, eu falo sério!" Incrivelmente a cena da agressão em questão desapareceu misteriosamente de todos os registros, tanto das três câmeras profissionais quanto de uma amadora que filmava justamente o lado do palco em que estava Pete.

O The Who continua seu show, e já no final de Tommy, durante "See Me Feel Me", o sol começa a nascer, revelando pela primeira vez para a banda a imensidão de um público que cobria todo o horizonte. Finalmente percebendo a importância do evento, eles investem tudo de si no final, e depois de uma longa versão de "My Generation", Pete joga sua guitarra para a platéia (rapidamente recuperada pelos roadies) e a banda sai do palco ovacionada por meio milhão de pessoas

Cinco dias depois de Woodstock, em 22 de agosto, o The Who está de volta à Inglaterra, se apresentando no Music Hall em Shrewsbury. Após o show Keith resolve dar início às comemorações de seu vigésimo-terceiro aniversário, e acaba quebrando o pé ao cair de uma escada. À base de sedativos, ele segue com a banda para Hamburgo, Alemanha, onde durante os dias 26 e 27 o The Who grava um especial de Tommy para o programa Beat Club. Ainda sedado, Keith se apresenta com o grupo na primeira edição do Festival da Ilha de Wight em 30 de agosto, na Inglaterra. Tendo aprendido um pouco sobre a realização de festivais nas últimas duas semanas, o The Who chega de helicóptero, manda ver um set de duas horas, e, tendo terminado, toma imediatamente o próximo helicóptero de volta pra casa.

Um mês depois a banda retorna aos Estados Unidos para uma turnê de 30 datas. Com o fim do ano se aproximando, o grupo pôde finalmente olhar pra trás e realizar que, graças à ópera-rock Tommy, havia alcançado o superestrelato do rock. Ao contrário de muitas bandas - que aproveitariam tal chance para deixar a carreira num plano secundário para viver plenamente a tríade "sexo, drogas & rock" - o sucesso foi visto pelo The Who, e mais especificamente por Townshend, como mais um desafio em suas carreiras; a questão agora era se manter no topo, mas seriam eles capazes de superar seu trabalho mais impactante?




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Ilustrações por Marco Antônio Monteiro | Textos por Vinícius Mattoso | © Todos os direitos reservados
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