» 1964 



O princípio de tudo
Os primórdios do The Who remontam a 1958, época em que John Alec Entwistle torna-se colega de escola de Peter Dennis Blandford Townshend na Acton County Grammar School. Com gostos musicais e ambições parecidas, os dois decidem formar um grupo - Pete no banjo e John no trompete - com outros dois colegas de escola. O The Confederates, que passou a maior parte de sua breve carreira mais ensaiando do que propriamente fazendo shows (na verdade foi um único show) viu seu núcleo se encaminhar para outra banda chamada Scorpions, que seguiu a mesma tradição de ensaios de sua antecessora. Já então Townshend adotara a guitarra como seu instrumento de preferência, e Entwistle, o baixo. Em 1961 John é convidado a entrar para o The Detours, grupo liderado pelo metalúrgico Roger Harry Daltrey, um conhecido seu da Grammar School de Acton. Não demorou para que John trouxesse para o Detours seu colega Pete, e foi com uma formação de cinco integrantes - Colin Dawson nos vocais, Townshend e Daltrey na guitarra, Entwistle no baixo e Doug Sandom na bateria - que a banda passou os três anos seguintes numa lenta evolução, que finalmente teve seu caminho pavimentado quando Daltrey resolveu abandonar seu instrumento, demitir o vocalista e assumir ele mesmo o posto de frontman.

Vendendo maçanetas
A reformulação imposta por Daltrey era a oportunidade que faltava para que cada um deles pudesse desenvolver livremente seus estilos, e foi nesse clima de empolgação que o Detours conseguiu sua primeira leva de apresentações de impacto, abrindo inclusive dois shows dos Rolling Stones no final de 1963. A mudança de ares também tornou necessária uma mudança de nome, pelo menos antes que outra banda mais antiga, a Johnny Devlin and The Detours aparecesse para reclamar seus direitos. Daltrey, Entwistle e Sandom se reuniram com um colega de Pete em seu apartamento para pensarem em um novo nome para a banda, e foi esse colega de Pete, Richard Barnes, que teve o estalo de batizá-los com um nome que aparecesse bem nos cartazes, chamando bastante atenção ao ser visto - THE WHO.

Outro auxílio importante para a carreira da banda veio da irmã do baterista Sandom. Trabalhando em uma pequena fábrica de maçanetas em Sheperds Bush, ela conseguiu com que seu patrão, um judeu chamado Helmut Gorden, aparecesse em um dos shows dominicais do grupo no White Hart Hotel em Acton. Gorden, deslumbrado com as oportunidades (principalmente financeiras)oferecidas pelo show business, resolveu bancar a parada, assinando na mesma semana contrato com a banda. Apesar disso seu tino musical era praticamente nulo, e é nessa que ele decide contratar alguém com mais visão, alguém que pudesse botar nos trilhos aquele grupo ainda meio cru. Peter Meaden, um publicitário alucinado por pílulas estimulantes e antigo empregado de Andrew Loog Oldham (empresário dos Stones), era membro de uma tribo de jovens denominados Mods - em sua maioria trabalhadores de classe média a baixa que torravam seus salários em roupas da moda, discos de R&B e noitadas nos clubs regadas a pílulas e vinho barato. Meaden era, em suma, tudo o que Gorden não era. Inspirado em seu estilo de vida e decidido a aproveitar o culto cada vez mais crescente em torno do movimento, ele acaba transformando o The Who num legítimo representante do movimento Mod.

Em abril de 1964 o grupo conseguiu uma audição com Chris Parmeinter, executivo da gravadora Fontana, alugando um clube chamado Zanzibar no West End de Londres para a ocasião. Parmeinter ficou impressionado com o Who, mas não gostou da técnica de Sandom (inclusive deixando isso bem claro para toda a banda). Townshend acaba pressionando ainda mais o baterista, que decide deixar o grupo. Depois de algumas noites à cata de um novo baterista e se apresentando com músicos de sessão, o Who encontra o cara certo no final daquele mesmo mês, num show no Oldfield Hotel. Keith John Moon, 17 anos, baterista da banda local The Beachcombers, se aproximou do Who e informou que conseguia tocar muito melhor do que o baterista que estava com eles naquela noite. Moon ganhou a segunda metade do show para poder mostrar seu serviço, abrindo caminho logo de cara com um vigor e energia que, acidentalmente, acabaram causando um prejuízo substancial ao instrumento do baterista de sessão. A pegada violenta de Moon impressionou Pete, John e Roger o suficiente para que eles o chamassem de volta para o próximo show. De fato, ele não se tornou integrante da banda por um convite formal; apenas perguntaram a Keith se ele estaria livre na semana seguinte, e ele disse que sim.

Jogando alto
Julho de 1964, e a febre Mod se espalhava cada vez mais por Londres. Já devidamente "repaginados" (apesar da hesitação inicial de John e Roger) com novas roupas e um repertório de clássicos do rythmn & blues que agradasse tanto os olhos quanto os ouvidos da gangue Mod, o The Who passa a atender pelo nome The High Numbers a partir de uma apresentação na noite do dia 14 no Railway Hotel, a meca de seu novo público alvo. E é justamente nesse show que os dias do grupo sob os auspícios de Peter Meaden e Helmut Gorden começam a chegar ao fim. Na platéia do Railway Hotel, completamente embasbacado pela energia e empolgação da banda à sua frente, está Kit Lambert, um jovem cineasta britânico que - juntamente com seu colega Chris Stamp - pretendia empresariar um grupo musical novato, levá-lo ao sucesso e no processo realizar um filme documentando tudo.

Não demora muito e o High Numbers, atraído pelas novas oportunidades, decide aceitar a proposta de Lambert & Stamp. Meaden concorda em passar o controle do grupo a troco de 250 libras, e Gorden, em férias nas Seychelles, recebe uma carta dizendo que seus serviços não eram mais necessários. Ele imediatamente entra com uma ação contra o grupo, mas desiste ao saber que o contrato assinado meses antes não tinha valor legal. Os pais de Pete, também músicos e já acostumados com o esquema, não quiseram reconhecer a papelada, deixando que seu filho menor de idade assinasse por si e tornasse inválido o contrato com o vendedor de maçanetas.

A primeira negociata da nova dupla de empresários dos High Numbers é cumprir a tarefa de firmar com eles um contrato que beneficiasse ambas as partes. Desta vez os pais de Pete aceitam jamegar a papelada (não sem antes cortar uma cláusula que daria uma porcentagem dos direitos autorais das composições de seu filho aos empresários) que marcou um avanço significativo frente ao último contrato do grupo, garantindo a cada um deles 1,000 libras por ano. Não tardaria muito para Lambert consumir todas as suas economias e grande parte de uma herança para poder cumprir o acordo.

Enquanto isso, a banda consegue agendar cinco shows consecutivos em cidades litorâneas como Brighton e Blackpool, abrindo para grupos de destaque como Gerry and The Pacemakers, The Kinks e The Beatles. Embora essa série de shows tenha ajudado a tornar os High Numbers ainda mais conhecidos, o grupo encontrou sérias dificuldades em firmar residência em um dos inúmeros clubes londrinos da moda. Stamp finalmente arranja uma residência semanal no Marquee Club, um clube de jazz situado na Wardour Street em Soho. Pouco depois Lambert decide reverter o nome da banda para The Who, desta vez em definitivo. Seu primeiro show no Marquee ocorre em 24 de novembro, e o fato de apenas 30 pessoas aparecerem não desanima a banda, que apresenta um set fantástico, fazendo com que na semana seguinte o público ultrapassasse os 300. Não tardaria e o The Who estava quebrando os recordes de público do Marquee.

Mas apesar de seus esforços para conseguir um contrato de gravação durante os meses anteriores, o Who parecia incapaz de convencer os executivos das gravadoras de que era bom o bastante para produzir um disco de sucesso. Eles não tinham canções originais, apenas versões de outros artistas - coisa que os tornava meramente uma banda cover com um impressionante show ao vivo. Mas isso logo iria mudar. Encorajado por Kit Lambert, Pete começou a compor suas próprias canções, gravando-as por conta própria e as apresentando à banda em formato demo, um estilo de produção até então desconhecido na Inglaterra. Uma dessas primeiras canções registradas por ele foi "Call Me Lightining" (que seria lançada pelo Who quatro anos depois) juntamente com "You Don't Have To Jerk", mas seria outra, "I Can't Explain", que finalmente iria abrir as portas do estúdio para a banda...



home | 1965 (parte I) »



Ilustrações por Marco Antônio Monteiro | Textos por Vinícius Mattoso | © Todos os direitos reservados
the who brasil | mam-design | ronca ronca | cotidiano blues | fotolog